A Folha e o Vento

17/08/2014 00:01

Ei ventania, venha com sua rajada e me levante. 

Sou aquela folha caída que tu arrasta pelos batentes dessa rua estranha.

Quero subir, voar. 

Vê aquelas nuvens? Não precisa elevar-me tanto. 

Só quero sair desse chão. 

Se me levas e me traz, me abalas contra os muros,

me faz prisioneira, e ficarei aqui ao cair da noite.

Os cães que vadiam nas trevas dos becos pisarão em mim.

Homens violentos irão brigar ao meu redor.

Verei sangue, ouvirei gritos. 

Leva-me, pois não sou desse lugar.

Sou dos campos, das montanhas.

Quem plantou nessas pedras a árvore onde nasci?

Nem a reconheço mais entre tantas à frente das casas.

Cortadas, perderam suas formas.

Vai, ventania! Envolva o campo, à beira do rio. 

Veja as outras folhas iguais a mim

agitadas ante tua chegada, mas alegres em seus galhos.

Se não podes arranjar para mim uma árvore do campo, leva-me, 

e em sua passagem pelo mar atravesse as ondas 

e me deixe nas águas de um oceano distante.

Lá eu não ouvirei os latidos dos cães noturnos

nem verei a força bruta da violência dos homens.

Sentirei o sol, a chuva.

Não verei os pintassilgos, mas haverá gaivotas.

Fique sempre comigo, ventania.

Serás para mim a vida que perdi.

Só não deixe que o mar, no baile de suas ondas, me traga de volta 

e me jogue na areia onde também pisam os cães e lutam os homens.

Porque assim quando voltares 

agitando as palhas dos coqueiros e os tetos de carnaúba dos quiosques,

Jamais saberá onde desapareceu

a folha verde que falava contigo.

 

 

 

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