A Folha e o Vento
Ei ventania, venha com sua rajada e me levante.
Sou aquela folha caída que tu arrasta pelos batentes dessa rua estranha.
Quero subir, voar.
Vê aquelas nuvens? Não precisa elevar-me tanto.
Só quero sair desse chão.
Se me levas e me traz, me abalas contra os muros,
me faz prisioneira, e ficarei aqui ao cair da noite.
Os cães que vadiam nas trevas dos becos pisarão em mim.
Homens violentos irão brigar ao meu redor.
Verei sangue, ouvirei gritos.
Leva-me, pois não sou desse lugar.
Sou dos campos, das montanhas.
Quem plantou nessas pedras a árvore onde nasci?
Nem a reconheço mais entre tantas à frente das casas.
Cortadas, perderam suas formas.
Vai, ventania! Envolva o campo, à beira do rio.
Veja as outras folhas iguais a mim
agitadas ante tua chegada, mas alegres em seus galhos.
Se não podes arranjar para mim uma árvore do campo, leva-me,
e em sua passagem pelo mar atravesse as ondas
e me deixe nas águas de um oceano distante.
Lá eu não ouvirei os latidos dos cães noturnos
nem verei a força bruta da violência dos homens.
Sentirei o sol, a chuva.
Não verei os pintassilgos, mas haverá gaivotas.
Fique sempre comigo, ventania.
Serás para mim a vida que perdi.
Só não deixe que o mar, no baile de suas ondas, me traga de volta
e me jogue na areia onde também pisam os cães e lutam os homens.
Porque assim quando voltares
agitando as palhas dos coqueiros e os tetos de carnaúba dos quiosques,
Jamais saberá onde desapareceu
a folha verde que falava contigo.
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